O advogado e professor Horácio Neiva, doutor e Mestre em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela USP, publicou no Twitter um extenso comentário sobre a cassação do deputado federal Deltan Dallagnol pelo TSE, nesta terça-feira, 16.
Segundo ele, os ministros erraram ao ampliar a interpretação de um dos dispositivos da Lei da Ficha Limpa.
“Eis a tese que consta no recurso – provido hoje, pelo TSE – que cassou Deltan. A exoneração ‘antes da instauração do PAD’, mas pendente sindicância, atrairia inelegibilidade. É um erro”, declarou.
Segundo a decisão, o parlamentar foi cassado por haver pedido exoneração do cargo de procurador como forma de evitar um possível processo administrativo disciplinar (PAD) que poderia culminar com sua aposentadoria compulsória.
Se fosse condenado no PAD, Dallagnol estaria inelegível. Mas pedir exoneração para evitar esse tipo de punição também enquadra o agente público na Lei da Ficha Limpa.
Ocorre que, como o deputado demonstrou em sua defesa, não havia qualquer PAD aberto contra ele quando do seu pedido de exoneração.
E o que fez o TSE? Interpretou que, como havia procedimentos preparatórios que poderiam culminar na abertura de um PAD contra Deltan, o pedido de exoneração dele também deveria ser enquadrado como uma forma de escapar de um possível processo administrativo.
Para Neiva, a Corte Eleitoral ampliou a interpretação do artigo da lei, contrariando até mesmo precedente anteriores.
Leia o comentário:
As regras envolvendo inelegibilidade devem ser interpretadas *restritivamente*. E é isso o que a Justiça Eleitoral tem feito ao longo de diversos anos de jurisprudência consolidada. A alínea q do art. 1º, I, da LC estabelece o seguinte:
E por que processo administrativo disciplinar? Porque a sua instauração *já* envolve um juízo pela administração da gravidade de fatos. Sem isso, há procedimentos preliminares que podem ou não resultar em um PAD posterior.
Mas não poderia a Justiça Eleitoral analisar o conteúdo desse PAD e avaliar se o membro do MP pediu exoneração para fugir de um PAD “inevitável”? A resposta é não, por dois motivos.
Em primeiro lugar: a regra da inelegibilidade, como eu já disse, deve ser interpretada restritivamente. Todo esforço de interpretação sistemática, teleológica, vai resultar numa ampliação indevida de uma regra restritiva de direitos.
Com um adendo: trata-se de um direito político – a restrição, portanto, deve ser ainda mais limitada. A regra é que, na dúvida, vota-se a favor da elegibilidade. Não acredita em mim? Então veja o precedente *do próprio TSE*:
Em segundo lugar, não cabe à Justiça Eleitoral avançar para examinar o conteúdo dos processos preliminares e realizar um juízo de se eles *resultariam ou não em uma possível, hipotética e não sabida punição*.
Se a regra é objetiva – e ela é: inelegibilidade em caso de exoneração na pendência de PAD – deve ser aplicada objetivamente, como, aliás, sempre foi feito na Justiça Eleitoral, sem grandes dúvidas ou questionamentos. Tanto assim que a decisão do TRE/PR foi unânime.
O esforço argumentativo do recurso contra Deltan já mostra a tentativa de ampliar a inelegibilidade da alínea “q”. Apelo a interpretações sistemática, à finalidade da norma, a princípios da probidade e da moralidade — tudo com o objetivo de driblar uma regra que é objetiva.
PAD é PAD: não é sindicância, não é pedido de providências, não é nada disso. Do contrário, basta que antes de um juiz ou membro do MP pedir exoneração, alguém formular inúmeros pedidos de providências contra ele e alegar a inelegibilidade depois.
“Ah, mas esses pedidos poderiam depois resultar em sanção”. E poderiam não resultar em nenhuma. É por isso que a regra é, como já escrevi, objetiva.
Mas é isso. Ninguém está preocupado com o que é feito do direito no Brasil. O objetivo mesmo é passar mensagem, tirar piada, fazer tiradas espirituosas contra A, B ou C. Aposto que vão dizer que hoje é um “grande dia”, sem se preocupar com o caminho que estamos percorrendo.
Via Blog do Gilberto Léda